Muitas empresas apresentam dificuldades para o cumprimento da cota legal para pessoa com deficiência (PcD), passando por autuações do Ministério do Trabalho, inquéritos civis do Ministério Público do Trabalho e até ações judiciais relacionadas a isso.
Em 05 de dezembro de 2022, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) lançou um guia digital[1] interessante para refletir sobre o tema, já que traz o viés histórico dos significados conectados com a deficiência, que contribuem, por si só, para a criação de barreiras que atrapalham ou até bloqueiam a participação dessas pessoas na sociedade, já que o foco se dá normalmente nas limitações e não nas potencialidades delas.
A expressão “capacitismo” se caracteriza exatamente por esse viés. A Academia Brasileira de Letras (ABL) define o capacitismo como a “Prática que consiste em conferir a pessoas com deficiência tratamento desigual (desfavorável ou exageradamente favorável), baseando-se na crença equivocada de que elas são menos aptas às tarefas da vida comum” [2] ou simplesmente como discriminação e preconceito contra pessoas com deficiência.
Vale dizer que a Lei 13.146 de 2015 [3] instituiu o Estatuto da Pessoa com Deficiência, considerando-a como “aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Tal definição também está na Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência[4].
A Lei dispõe, ainda, que é considerada discriminação em razão da deficiência “toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas”.
Nota-se que há um foco para o prejuízo ao reconhecimento e ao exercício dos direitos e liberdades fundamentais da pessoa com deficiência, inclusive a recusa de adaptações razoáveis.
E o TST traz a reflexão de que se as pessoas e os respectivos corpos são diferentes uns dos outros por natureza, o que cria a percepção de deficiência em um país em que existem 17 milhões de pessoas com deficiência é o capacistimo. Ou seja, são efetivadas condutas ou posturas discriminatórias “quando as pessoas são consideradas como “não iguais”, menos capazes (de produzir, de trabalhar, de aprender, de amar, de cuidar etc.) e menos aptas a gerir a própria vida; quando as atitudes hierarquizam as pessoas em função da adequação de seus corpos a um ideal de beleza e capacidade funcional; quando a deficiência é vista como negativa, uma condição que deve ser melhorada ou curada. Quando a pessoa com deficiência é vista como exemplo de superação por realizar ações ou desempenhar papéis vistos como comuns aos das pessoas sem deficiência”.
O guia digital do TST destaca que também são atitudes capacitistas aquelas que se revestem de um sentimento de “simpatia”, tal como exaltar a deficiência como uma justificativa para um tratamento especial, considerar as conquistas da pessoa como um milagre, ajudar sem que tenha sido solicitado, tratar de forma infantilizada ou como um herói, dentre outras.
Por fim, vale ressaltar que a inclusão das PcD faz parte das propostas trazidas pela agenda ESG (Environmental, Social and Governance) em termos de Diversidade, que não é uma novidade no ambiente corporativo, sendo de grande relevância que as empresas trabalhem formas de combater o capacitismo, sem se restringir apenas ao preenchimento das cotas PcD para cumprimento estrito da lei.
Nesse sentido, é importante reconhecer que cada profissional é um ser único e completo, com escolhas religiosas, expressões culturais, desejos e orientação sexual diversas, que os ambientes plurais são mais ricos e criativos, além de compreender a pessoa em sua totalidade, sendo a deficiência apenas uma de suas características, e entender que todo ser humano precisa de apoio, não podendo ser confundido o capacitismo com necessidade de cuidado e auxílio, devendo ser reconhecidas as habilidades, os méritos e as capacidades das pessoas com deficiência e a sua contribuição para o local de trabalho, valorizando e convivendo com as diferenças.
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1 Disponível em: https://www.tst.jus.br/documents/10157/2374827/Diagrama%C3%A7%C3%A3o+-+Miniguia+Capacitismo+-+02122022+-+WEB.pdf/0a4fc3c4-bd4b-22b4-b8d0-644d3ecb7589?t=1670243725831. Acesso em dez/2022.
2 Disponível em: https://www.academia.org.br/nossa-lingua/nova-palavra/capacitismo. Acesso em dez/2022.
3 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm. Acesso em dez/2022.
4 Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em dez/2022.